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Imprensa
A Economia no século 21: sim, o ajuste fiscal é bom para o país

As propostas de ajuste fiscal têm ocupado as manchetes dos jornais, mas na prática, as contas do governo devem continuar deficitárias esse ano. Muitos ainda argumentam e se manifestam contra o ajuste. Afinal, o ajuste fiscal é bom para o país como um todo?

Por um lado, quando a economia vai mal, aumentar os gastos do governo ou reduzir os impostos pode ajudar a estimular a produção e a criação de empregos. Em épocas de recessão, cortar gastos ou aumentar impostos é particularmente custoso para a economia.

Por outro lado, uma dívida pública alta aliada a desconfianças sobre o equilíbrio das contas do governo desestimula o investimento e a produção. Nesses momentos, ajustar as contas ajuda a reconquistar a confiança das pessoas e empresas, estimulando a geração de empregos e renda.

O argumento contra o ajuste fiscal é que gastar menos nesse momento pode ser contra-producente porque vai levar a economia à recessão e, consequentemente, a uma queda no produto que torna ainda mais difícil pagar a dívida pública, gerando uma espiral negativa.

O argumento favorável ao ajuste fiscal é que gastar menos nesse momento não apenas ajuda a frear o crescimento da dívida como também estimula o investimento e a produção, por trazer de volta a confiança no equilíbrio das contas públicas.

Nenhum dos argumentos é logicamente inconsistente. Assim, a questão é sobre o efeito total que o ajuste fiscal têm sobre o produto. Qual efeito predomina? Essa é uma questão empírica.

Em economia, não podemos fazer experimentos para estimar esses efeitos (por exemplo, não podemos sortear alguns países para aumentar os gastos, outros para ajustar as contas, e ver o que acontece). As técnicas de estimação disponíveis hoje não nos fornecem uma resposta definitiva para essa questão. Nós não temos certeza.

Ainda assim, a evidência disponível aponta um caminho claro, o caminho do ajuste fiscal. Vejamos:

1. Usando dados de diversos países e técnicas estatísticas de ponta, o trabalho de Ilzetzki, Mendoza e Vegh, publicado em 2013, traz estimativas razoavelmente confiáveis para o efeito de gastos do governo sobre o produto. O trabalho tem sido extremamente bem citado e, ainda que não traga respostas certas e definitivas, é o que temos de melhor para nos informar sobre essa questão.

Qual o efeito dos gastos do governo sobre o produto? A resposta do artigo é: depende das circunstâncias e do país. Em casos de países em desenvolvimento com dívida superior a 60% do produto, mais gastos do governo levam a menor produto (principalmente no médio e no longo prazo).

Assim, no caso do Brasil de hoje, a melhor evidência disponível indica que cortar gastos públicos deve ajudar a aumentar o produto. O efeito sobre a confiança no equilíbrio das contas do governo é o mais importante.

2. A experiência brasileira recente corrobora essa evidência. Não podemos concluir muito usando apenas um país e poucos casos, sempre podemos apontar outros fatores que influenciaram os resultados, mas é confortante ver que nossa experiência casa com os resultados da pesquisa acadêmica.

Em 2003, o governo Lula prometeu ao FMI um superávit fiscal de 4,25% do produto, mais do que o FMI queria. A promessa foi cumprida, a desconfiança sobre o equilíbrio das contas públicas foi dissipada e o desempenho da economia brasileira nos anos seguintes foi bom. Por outro lado, a austeridade fiscal foi descartada a partir de 2010 e o desempenho da economia nos últimos anos foi pífio. Hoje, a dívida está em níveis bem altos e o investimento batendo recordes negativos.

3. Déficits fiscais empurram o problema para a frente: no futuro, teremos que tributar mais ou arrecadar menos. Portanto, a estratégia baseada em déficits só pode funcionar se o produto aumentar bastante (o que vai contra a evidência empírica disponível). Por outro lado, o ajuste fiscal segura o crescimento da dívida e, portanto, por si só, já ajuda a evitar uma crise maior. Assim, além de estar mais amparado nas evidências, o caminho do ajuste fiscal é o mais seguro.

Em entrevista à Folha no domingo dia 04/10, Marcio Pochmann sugere que quem defende o ajuste fiscal o vê como um fim em si mesmo, não está pensando no futuro. Nada mais falso.

Claro, ajustar as contas não é um plano de desenvolvimento para o país: é uma condição necessária para o bom funcionamento da economia. Tão importante quanto equilibrar as contas públicas é adotarmos uma agenda bastante diferente para construir o Brasil de amanhã.

O projeto desenvolvimentista defendido por Marcio Pochmann, centrado na “capacidade de o governo liderar os investimentos”, foi empregado nos últimos anos. O resultado foi muito ruim (e não foi culpa da crise internacional). Precisamos colocar na pauta a discussão sobre o Brasil no longo prazo. Mas essa é uma outra discussão.

Referências:

– O trabalho citado sobre política fiscal é “How big (small?) are fiscal multipliers?” de Ethan Ilzetzki, Enrique Mendoza e Carlos Vegh, publicado no Journal of Monetary Economics em 2013. Dada a agitação política em torno dessa questão, acrescento que os autores não são “ideólogos de direita”. Eu conheço bem Ethan Ilzetzki, ele tem posição forte a favor do Partido Democrata (contra o Partido Republicano) no debate político americano.

– Não há espaço aqui para explicar melhor o efeito dos gastos do governo e dos impostos no produto da economia. Uma explicação mais completa pode ser encontrada, por exemplo, em meu livro “A Riqueza da Nação no Século XXI“.



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