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Imprensa
Visão crítica deAwazu na partida

Luiz Awazu Pereira, que deixou a diretoria do Banco Central para assumir uma vice-presidência do Banco de Compensações Internacionais (BIS) fez, na sexta feira, uma avaliação crítica organizada da política econômica anticíclica que, em reação à crise global, marcou o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff e comprometeu a gestão do segundo.

Em discurso de despedida durante almoço organizado por Octavio de Barros, do Bradesco, Awazu começou por uma análise do mundo pós-crise global, dos ensinamentos deixados, dos erros cometidos tanto pelas nações ricas quanto pelos emergentes.

Entre reflexões filosóficas sobre a frágil organização social que rege a civilização e a necessidade de o país superar "a espiral de destruição da nossa autoestima", o discreto ex-diretor declarou sua opção pela "esperança condicionada". Esta começa por reconhecer que " todo governo socialdemocrata reformista sempre oscila entre um certo voluntarismo e um certo imobilismo".

Questões interessantes se destacam, ao longo do texto, em relação ao Brasil, a começar pelo reconhecimento de que a reação anticíclica do governo à crise global foi longe demais.

"Até a nossa elite empresarial e financeira também conclamaram a necessidade de desonerações tributárias que nos custam muito hoje, pediram e obtiveram mais subsídios e mais créditos direcionados. Ou seja, e é claro que é mais fácil dizer agora, foi muito além do prudente", disse. O governo procurou atender "a todo e qualquer pedido".

Falando em seu nome e não mais como diretor do Banco Central, ele arriscou uma explicação: "A resposta à crise global nos países avançados criou o que eu chamaria de 'complacência global' em matéria de policy. Taxa de juros zero, achatamento prolongado e voluntário da curva no longo prazo. Chamamento pelo FMI e pelo G20 para gastar e consumir mais. Isso vinha das instituições e dos países que sempre nos davam lição de austeridade".

Contaminado pela euforia que embalava o Brasil, naquele momento, o governo sentiu-se à vontade para avançar. "Se todos estão pedindo gasto, propondo crédito a taxa zero, então, por que não acreditar que finalmente tinha chegado a nossa grande oportunidade?", indaga. Tal como a China fez política contracíclica reforçando o modelo de mais investimento e hoje está tendo seus problemas, "nós também reforçamos o que sabíamos fazer, consumo e crédito". Ele observa: "A economia política de cada país cria hábitos poderosos".

O resultado chegou em forma de crise econômica, com recessão e desemprego.

A receita para sair da crise é conhecida e consensual, afirmou. "Sabemos perfeitamente que é preciso combinar um ajuste macroeconômico que está em curso, para reduzir desequilíbrios externo, fiscal, colocar a inflação na meta e redefinir o nosso perfil de gastos para dar à nossa dívida uma dinâmica sustentável no médio-longo prazo".

Não é preciso passar "pela divisão enraivecida da nossa sociedade" para reforçar a estabilidade macroeconômica e melhorar as instituições. "Não houve vencedores nas trincheiras de Verdun. Não se ganha guerra nuclear".

Na busca pelo equilíbrio estrutural das contas públicas é imperativo redefinir o "contrato social" feito há algumas décadas, "já que estamos envelhecendo e nossa capacidade de gerar mais recursos pela nossa produtividade total de fatores não é nem um pouco suficiente para cobrir as obrigações legais do que decidimos redistribuir", continuou.

O país precisa do equilíbrio fiscal. " E isso não é nem de esquerda e nem de direita, não é nem de situação e nem de oposição, é simplesmente bom senso republicano".

Dentre as revelações e lições que a crise global trouxe, tanto para os países avançados quanto para os emergentes, Awazu destacou seis questões. A primeira delas é que o "macropopulismo financeiro" existe também no Norte. A segunda é que o tratamento preventivo para populismo fiscal é bem conhecido. "Começa pela responsabilidade no orçamento, regras de controle do gasto, instituições de monitoramento, etc". A prevenção do populismo creditício financeiro é mais complicada pois demanda apertar a regulação e supervisão quando todos acham que tudo vai super bem.

A terceira observação é sobre a inovação no tratamento curativo nos países avançados e nos emergentes. "Quando o tranco fiscal inicial perdeu força, os banco centrais reagiram com políticas não convencionais nunca antes aplicadas nesse mundo". Funcionou, disse. Mas causou e está causando efeitos colaterais perigosos para a estabilidade financeira global e local. "Salvamos-nos mas para entrar num 'novo normal' onde há muita incerteza".

E completa: "está ficando claro que para sair dessa, o papel dos banco centrais não é suficiente, podemos ganhar tempo mas não resolver as questões de fundo da sustentabilidade de longo prazo dos balanços patrimoniais dos agentes, Estado, empresas e famílias".

Para ele, não está claro se o mundo está no início de uma "estagnação secular" ou em uma clássica "grande desalavancagem". As políticas não-convencionais permitiram estabilizar o paciente e retirá-lo da UTI mas há a perplexidade sobre o que deve acontecer após a fase aguda da crise.

A quarta explicação é, segundo ele, epistemológica: Só se vê o que se quer ver, o que é perigoso para o processo decisório racional. "Quando se está tendo a impressão que a macroeconomia tradicional está de cabeça para baixo com políticas expansionistas não-convencionais, fica difícil resistir à euforia e retirar o barril de chope da festa", disse em referência a um dos papéis dos banco centrais.

A quinta observação é que os países emergentes tinham colchões e puderam usar políticas anticíclicas para resistir. A sexta e última "é a da minha esperança condicionada".

Com a experiência acumulada nos governos Lula e Dilma (desde 2004), no governo de Miterrand (França) e de Mandela (África do Sul), Awazu, em um tom entre realista e resignado, recomenda: "É bom aceitar que em todo país, em todo governo de qualquer sociedade há uma distribuição bimodal de tendências autoritárias e democráticas, xenofóbicas e inclusivas, altruístas e egoístas, éticas e menos éticas".

No discurso repleto de citações do economista turco Daron Acemoglu a Saramago, de Montesquieu a Sartre o Ex-diretor do BC decreta: "Sem ilusões: o script da História não é escrito por Walt Disney mas sim por Shakespeare com muito barulho, sangue e furor".



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