Área exclusiva de acesso do associado ANEPS. Para acessar a área restrita da CERTIFICAÇÃO, CLIQUE AQUI

Imprensa
Seria possível propor um corte maior, diz Teixeira

Os cortes apresentados pelo governo vão na direção correta, mas poderiam ser maiores e a recriação da CPMF deve ter repercussões negativas sobre a atividade econômica. Com essa visão sobre o anúncio feito ontem pelo governo, o Economista-chefe do Credit Suisse, Nilson Teixeira, defende mudanças mais profundas nas contas públicas e acredita, por exemplo, que o abono salarial poderia ser encerrado, já que foi criado num contexto que mudou.

Além disso, defende que o governo encaminhe projetos de revisão de gastos obrigatórios, que desvinculem, por exemplo, o reajuste do mínimo da Previdência. "Não é fácil", reconhece ele. Ainda assim, o anúncio de ontem evitou que as projeções fiscais do Credit para 2016 fossem ainda um pouco (cerca de 0,3 ponto percentual) piores do que as que estão sendo divulgadas hoje pelo banco de investimento.

O rebaixamento da nota de crédito do Brasil pela S&P estava no horizonte, mas veio antes do esperado e isso eleva ainda mais as incertezas para atividade econômica do país nos próximos trimestres. Com essa visão, Teixeira e sua equipe promoveram nova revisão significativa em todas as projeções macroeconômicas para este e o próximo ano. No novo cenário, Teixeira vê riscos de o investimento estrangeiro direto cair para apenas US$ 35 bilhões em 2016 enquanto o IPCA vai a 7,3% e a dívida pública bruta a 71,2% do PIB. Para este ano já é esperada uma contração de 3% da economia e um déficit nominal de 9,5%, um recorde absoluto. "Pode ser o ciclo recessivo mais longo do período recente", admite. A seguir, trechos da entrevista:

Valor: O rebaixamento levou à revisão para pior das projeções?

Nilson Teixeira: Revisamos a expectativa de contração do PIB para 3% em 2015 e 1,5% em 2016. Nossa projeção era de contração de 2,6% em 2015 e de 0,8% em 2016. No que se refere ao PIB, a revisão é mais por resultados que saíram e foram ainda piores do que a gente imaginava, como a contração de 8,9% da produção industrial em julho na comparação com o mesmo mês do ano passado, e também por conta das nossas projeções para agosto, que também indicam um cenário desfavorável. A indústria está tendo desempenho ainda pior no terceiro trimestre e, associado a isso, nos setores de serviços de alguma forma também atrelados à indústria, como comércio e transporte, a tendência é de deterioração. Então, é esse cenário que nos faz prever no terceiro trimestre uma contração do PIB de 0,8% em relação ao trimestre anterior e uma deterioração de 0,9% no quarto trimestre. A contração no quarto trimestre é um pouco maior do que a gente tinha e está atrelada às consequências do rebaixamento da nota de crédito soberana do Brasil e à deterioração de cenário. Antes a projeção era de contração de 0,6% para o terceiro trimestre e de 0,1% para o quarto trimestre. Hoje a gente acha que a contração do PIB de 0,7% a 2,5% é igualmente provável no próximo ano.

Valor: O que pesa mais para a paralisia dos investimentos, a falta de confiança, a Petrobras, a Operação Lava-Jato?

Teixeira: A Petrobras é relevante à medida que responde por cerca de 10% dos investimentos, mas é muito mais o fato de que não há confiança, há um grau de incerteza muito expressivo e uma deterioração do consumo das famílias relevante. Então, os investimentos são postergados.

Valor: As projeções estão piorando de forma muito rápida..

Teixeira: Neste ano houve deterioração de fato, mas não me parece que tenha sido tão expressiva no curto prazo. Se você olhar para o início do ano, certamente. Nossa projeção de inflação para este ano, por exemplo, era próxima a 7% no fim do ano passado, e era uma das maiores entre os participantes do mercado e agora estamos esperando 9,5%. Para o próximo ano, há muito tempo tínhamos projeção de inflação de 6,5% e agora achamos que será entre 7% e 7,5% e estamos com 7,3%.

Valor: O que levou a elevar a previsão para inflação para o ano que vem foi a depreciação do câmbio?

Teixeira: Temos expectativa que a taxa de câmbio chegue a R$ 4,50 no fim de 2016 e a R$ 4,25 no fim deste ano. É claro que a projeção para a taxa de câmbio é mais uma hipótese, não é nada robusta. Então, estamos assumindo R$ 4,25, em parte pela deterioração do cenário doméstico, mas também por conta da nossa expectativa de apreciação do dólar frente à maioria das moedas, em particular as de emergentes, principalmente as mais frágeis e estamos entre esses.

Valor: O senhor já consegue enxergar o Brasil saindo do cenário de recessão e como isso vai acontecer?

Teixeira: A única saída mais clara desse período recessivo é o setor externo, ou seja, um declínio ainda maior das importações, diminuindo ainda mais no próximo ano, e as exportações crescendo ou ficando estáveis. O que acontece é que a composição da balança comercial brasileira hoje é menos favorável para a atividade do que nas recessões passadas, em particular em 2002. Para se ter uma ideia, no ano que vem esperamos alta em termos reais, em relação à contribuição para o PIB, das exportações, de 5%, e as importações caindo 10,1%, muito similar ao comportamento deste ano. No passado, as exportações aceleravam muito mais, eram ligadas muito mais a manufaturados e hoje mais ligadas a básicos. E quando você olha básicos, eles dependem muito mais da quantidade portanto, da economia global e menos do câmbio. É óbvio que uma depreciação cambial ajuda os exportadores de básicos, mas tem a parcela relacionada aos custos domésticos. Não muda muito o padrão de preços. Mais importante do que isso, quando olhamos os manufaturados, é que a base de exportação diminuiu e o Brasil passou a ter competidores que eram pouco expressivos no início da década passada. Além disso, o Brasil está fora dessa cadeia de comércio, que está razoavelmente atrelada a acordos bilaterais estabelecidos na década passada. O Brasil passou ao largo disso, o que torna mais difícil uma recuperação importante da atividade por conta do setor externo. E isso torna mais difícil prever quando a economia passará a mostrar um crescimento mais vigoroso. No passado, os ciclos recessivos eram mais curtos, esse ciclo tende a ser o mais prolongado da história recente.

Valor: Isso deve limitar o ajuste do déficit na conta corrente?

Teixeira: O déficit em transações correntes neste ano deve ser em torno de 3,8% e no próximo ano projetamos um declínio importante, mas ainda com déficit de 2,1%.

Valor: Com o rebaixamento os investimentos estrangeiros diretos vão ser muito afetados?

Teixeira: Há um risco. Há possibilidade de o investimento estrangeiro no Brasil diminuir pela metade. O IDP [investimento direto no país] que em 2014 foi de US$ 96,9 bilhões, será algo próximo a US$ 65 bilhões, e no ano que vem, US$ 35 bilhões. O rebaixamento dificulta obviamente, mas mais pela perspectiva de crescimento do país. Além disso, boa parte dos investimentos feitos no Brasil está atrelado ao consumo das famílias e à melhoria da renda.

Valor: Com essa piora que o senhor prevê para o IPCA, os juros não teriam que aumentar?

Teixeira: Quando lemos os documentos, a argumentação do BC demonstra uma confiança importante num forte declínio da inflação no próximo ano. É uma leitura que pode estar, no final, correta. Esse aumento de desemprego e essa contração da atividade fazem com que modelos percam a capacidade de precisão e ao mesmo tempo podem fazer com que o repasse para a inflação diminua e com que a persistência inflacionária seja menor. Essa é a argumentação que vem da autoridade monetária. Como falei, pode estar correto, porém nós optamos por avaliação diferente. Nossos modelos dizem que a persistência inflacionária tem aumentado, o papel da inflação passada para a inflação corrente aumentou.

Valor: A inércia inflacionária..

Teixeira: Mais do que isso, de alguma forma quando se olha para frente fica muito incerto. E com essa depreciação [cambial] importante, pode ser até que seja postergado esse repasse, mas ele virá. Esses dois mecanismos fazem com que a inflação permaneça muito elevada. Quando olhamos os documentos do BC, continuamos argumentando que a Selic continuará estável no próximo ano. O risco é de aumentar. O BC mais adiante poderá argumentar que a depreciação cambial foi muito importante. Numa comparação simples: Selic menos IPCA (juro real), este ano será menor do que no ano que vem. Então o maior juro real já será a forma de a autoridade monetária argumentar que estará combatendo a inflação. Se nosso cenário de inflação estiver certo, o BC optará por buscar inflação mais próxima ao centro da meta em 2017.

Valor: A convergência, então, viria em 2017?

Teixeira: A gente não espera a inflação alcançando 4,5% em 2017, só dizemos que ela possivelmente diminuirá.

Valor: A projeção da Selic nesse cenário como fica?

Teixeira: Ainda é de estabilidade em 14,25%.

Valor: O sr. continua achando que deveria estar em 17%, 18%?

Teixeira: Para buscar inflação de 4,5% no próximo ano, sim.

Valor: Mas isso deveria ser buscado, com esse nível de atividade?

Teixeira: A autoridade monetária argumenta que está buscando 4,5%, então.. Pulando para a questão fiscal, o que se diz é que com esse nível de contração de atividade não dá para ter o ajuste fiscal, assim como não dá para combater uma inflação alta. Nós julgamos que, de fato, não é possível ter sustentabilidade fiscal com crescimento nulo ou até contração do PIB. Mas para haver crescimento da atividade econômica de maneira sustentável é importante fazer um ajuste fiscal e é importante ter inflação declinante.

Valor: Como o senhor avaliou os anúncios feitos ontem?

Teixeira: Alguns cortes já conseguimos ter uma avaliação. Inegavelmente, a maioria deles passa pelo Congresso. Com o apoio que o governo tem hoje no Congresso, mais precisamente na Câmara, sugere que, se essas medidas fossem encaminhadas e votadas hoje, a grande maioria delas não passaria. Agora o próprio governo salienta que está em um processo de construção de um apoio maior e que isso pode permitir a aprovação de algumas dessas medidas, a mais importante, sem dúvida, é a CPMF. O governo menciona que arrecadação com a alíquota de 0,2% da CPMF seria algo em torno de R$ 32 bilhões. Nos parece, caso aprovado, que esse valor será maior. Isso porque toma-se por base o comportamento da economia em 2007. Outras medidas, como a do Sistema S, passam pela aprovação, assim como a negociação do reajuste dos salários dos servidores. A aprovação desses ajustes não será fácil. Outras medidas, como renegociação de contratos, nos custa crer que será tão fácil implementar. Já o ajuste do programa Minha Casa, Minha Vida está na direção correta, de reduzir, dadas as limitações, porém, o governo quer transferir esses subsídios de um orçamento como um todo para os depositantes do FGTS.

Valor: E a volta da CPMF?

Teixeira: O aumento da CPMF é desfavorável para a economia, não só gera maior inflação como gera menor atividade econômica, porque aumenta os custos de forma relevante, ainda mais naqueles setores que têm uma cadeia muito longa. Então, esse caminho de aumento de impostos é, talvez, mais fácil para o governo, na argumentação de que não precisa cortar gastos, mas gera distorções maiores na economia e torna ainda mais difícil a retomada da atividade. Por outro lado, reconhecemos que ao ajustar o fiscal, com valores que podem chegar, no nosso entender, a mais de R$ 40 bilhões [se for aprovada a CPMF com alíquota de 0,2%], há duas forças em sentidos opostos. De fato, o resultado fiscal melhora, e isso tende a ajudar a retomada da economia, mas de outro lado o aumento da CPMF é perverso para essa retomada. Qual fator predomina? É difícil saber. Na nossa avaliação seria mais adequado promover reformas tributária, trabalhista e da Previdência e encaminhar para o Congresso discuti-las. Como está sendo feito, são um monte de medidas que certamente têm um propósito bom, mas a forma de fazer não nos parece que é a melhor.

Valor: O corte de R$ 26 bilhões é suficiente? Poderia ter sido maior?

Teixeira: Não temos dúvida que daria para propor mais. Um exemplo seria o reajuste da Previdência dos aposentados não ser feito da mesmo forma que o do salário mínimo. Acabar com o abono salarial. Essas medidas que, de fato, caminhariam para tratar de temas de forma mais permanente como a redução efetiva, na direção de cortar de maneira expressiva, cortar o MCMV sem usar os recursos do FGTS, o Fies, tirando novas contratações, o programa Ciências Sem Fronteiras, que poderia acabar. Todo corte pressupõe que os beneficiários serão prejudicados. Por isso os líderes do Congresso gostariam que houvesse sacrifício maior do governo. Nós entendemos que o governo pode fazer isso. Agora, é fácil? Não é fácil. O governo também deveria eliminar o abono salarial, houve um movimento para reduzir o abono, mas é um benefício que foi criado no passado, estava associado a ajudar aqueles que tinham o salário mínimo, que tinha poder de compra muito reduzido. Desde a implementação desse abono, houve aumento do poder de compra do salário mínimo e, mais do que isso, houve uma construção de programas sociais, em particular o Bolsa Família que trata da questão dos mais pobres. Assim, não se justifica mais o abono salarial. Do mesmo modo, os reajustes no setor público, sem questionar se são meritórios ou não, não são possíveis no atual contexto de fragilidade das contas do setor público. Isso parece mais injusto quando a taxa de desemprego tende a aumentar ainda mais, o que tende tornar as condições do mercado de trabalho ainda mais desfavoráveis para nós, do setor privado, e não alcança o funcionalismo.

Valor: Mas aí entra o Congresso.. O governo teria espaço para propor essas reformas?

Teixeira: O que nós ouvimos quando visitamos o Congresso Nacional, não diria que é um consenso, mas parece a visão da maioria, é que o governo tem condições de reconstruir uma base mais sólida de apoio. Para isso, o que eu ouço é que o governo deveria dar uma maior contribuição, seja com redução de número de ministérios e redução de cargos comissionados, seja com a redução de outros gastos discricionários. Apesar de já terem sido reduzidos, o clamor que ouvimos no Congresso é que o Executivo faça uma parte maior do ajuste necessário, até por uma questão simbólica. Uma eventual reconstituição da base, que aparentemente a presidente já está discutindo, ajudaria na aprovação dessas medidas. Cabe ao Executivo liderar essa dinâmica e propor as estratégias e cabe ao Executivo convencer a sociedade da necessidade e da premência desse ajuste.

Valor: O rebaixamento facilita esse diálogo?

Teixeira: Não tenho certeza se facilita de maneira significativa. Nos parece uma pequena deterioração no cenário..

Valor: Veio antes do esperado?

Teixeira: O cenário era compatível com a perda do grau de investimento. Agora, nós não esperávamos que viesse nesse momento, esperávamos que viesse mais adiante e, mais do que isso, não esperava que viesse acompanhado da perspectiva negativa.

Valor: Outras agências devem seguir pelo mesmo caminho?

Teixeira: A nossa expectativa para o superavit primário nos próximos anos sugere um contínuo aumento da dívida bruta como percentual do PIB. Esse cenário para a política fiscal, a perspectiva de contração do PIB em 2015 e 2016 e a expectativa de que a recessão seja prolongada, em um ambiente de inflação alta, são compatíveis com essa leitura de redução da classificação de risco. A questão é: será que elas fazem esse movimento nos próximos 12 meses? Difícil responder.

Valor: A probabilidade para um cenário de impeachment da presidente Dilma aumentou?

Teixeira: Para o impedimento da presidente ainda atribuímos probabilidade bastante baixa. Não nos parece que, com o país recebendo grau especulativo, a probabilidade se altera.

Valor: E em relação a permanência do ministro Joaquim Levy? Se falou muito que ele estava lá também para impedir o rebaixamento..

Teixeira: Nós nunca atribuímos ao ministro Joaquim Levy essa função. Na nossa leitura cabe ao governo e, em última análise, à presidente, determinar as políticas a serem adotadas. Então por mais que o ministro tenha uma pauta de políticas a serem adotadas, no fim a decisão foi e continuará sendo da presidente, ela é a fiadora desse processo.

Valor: O senhor vê o país voltando a flertar com políticas mais desenvolvimentistas, aquilo que se chamou de uma 'nova matriz' econômica?

Teixeira: Ainda precisa ficar mais claro para toda a sociedade quais são as políticas que serão perseguidas pelo governo. Nos parece que uma política econômica que busque a redução dos custos de fazer negócio no Brasil, uma inflação baixa e estável e resultados fiscais sólidos, com redução das despesas, de uma estrutura tributária muito mais transparente e muito mais eficiente é a forma adequada do país crescer.



RECEBA NOSSAS NOVIDADES

Este site usa cookies para fornecer a melhor experiência de navegação para você. Para saber mais, basta visitar nossa Política de Privacidade.
Aceitar cookies Rejeitar cookies